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sábado, 27 de agosto de 2011

Medo do fim da rua

Éramos jovens com medo de escuro , medo de altura e de assombrações . Costumávamos sair todas as noites para perambular pelas ruas calmas e cinzentas . Gostávamos de desafiar o medo . Andávamos em grupo sempre com o maior numero possível , éramos apenas nove àquela noite . Um mínimo barulho no silêncio parecia ser multiplicado por mil . Achávamos divertido sair quando todos já estavam em suas casas protegendo-se do perigo da noite . Mas perai , que perigo ? Era o que estávamos procurando . Meus amigos não tinham medo de achá-lo , e eu com um pequeno medo de andar sobre o caminho que levasse até ele . Parece loucura mas embora não soubéssemos de que perigo estávamos falando , aquele em que todos tinham medo e se escondiam em suas casas ás noites de lua vermelha , queríamos encontrá-lo o mais rápido possível .

Caminhando por aquelas ruas que nada tinham de terríveis . Silencio absoluto . Agora ninguém abre a boca , que o barulho está chegando . Olhos arregalados , pareciam que saltariam longe de suas faces amedrontradas , um olhava para o outro com um sinal de interrogação com um ponto de dúvida , o que aconteceria agora . Eu era a única menina junto á eles . E aliás , a que mais mostrava coragem.Meninos sempre foram mais medrosos.Não sabem ao certo o que é ter medo,apenas dizem que sentem.

Segui a frente deles como quem tem um plano , mesmo com a cabeça dominada por aquele zumbido assustador que estava aproximando-se.Só eu estava escutando ? -Meninos , o que há com vocês , não ouvem ?- Me bateu um nervosismo e confesso que até um pouco de medo ao ver que estava praticamente sozinha entre oito . Procurando o zumbido olhava para cada esquina pedindo que nada visse e me convencesse de que não era nada . Olhei a minha esquerda , a direita e a todos os pontos possíveis , mas não importava pra onde eu olhasse e sempre um vulto negro me acompanhava - Meu Deus me proteja do diabo - repetidamente e internamente . Por favor eu não fiz nada sou uma boa moça - Meninos falem comigo - Nada adiantou . Corri para onde as sombras não me vissem , corri para ninguém me enxergar . Corri para que meus olhos não ameaçassem saltar como os dos meninos , que por sinal , já não via mais eles . Quando me lembrei já estava longe , de tudo e de todos , até de mim mesma . Mas eu não poderia deixá-los lá , e também não poderia voltar .

Agora eu estava presa entre meus amigos e as sombras que me perseguiam . Espera , me acharam . Fiquei parada no mesmo lugar com os olhos a beira de pular fora e me deixar , sair correndo como eu não consegui . Estátua com os braços esticados sobre o corpo . Sem conseguir gritar e rezar , já nem sabia mais como . Senti meus olhos serem arrancados e agora nem isso eu tinha mais , fugiram como eu deveria ter feito . Por um instante passou a imagem dos meninos á minha cabeça , como se eu estivesse os vendo . Eles estavam lá , parados no mesmo lugar . Me esperando .

E eu que já nem sabia mais onde eu estava , sentei-me ao chão , que eu me lembre á ultima vez que vira eu estava no meio da rua . Arrastei-me pelo asfalto coberto de sangue por onde minha roupa o espalhava . Não sabia mais onde morava nem como chegar lá . Senti o medo pelo caminho , e achei que não fosse sentir-me quase morta de medo quando o encontrasse.Eu era corajosa e queria o encontrar , aquele perigo que nem sabia se era verdade o que todos na vizinhança comentavam - O medroso que fantasia-se de corajoso sempre tem seus olhos arrancados pelo medo no fim da rua - e agora eu já não tinha mais o medo , nem a coragem . E agora nunca mais veria a cara de pavor , de medo , de coragem de amor de meus amigos , muito menos os encontraria . Eles ainda continuam lá com a mesma cara de espanto , e eu aqui , vazia e cega pelos meus medos .

Sem exageros

Ele vez tudo como na primeira vez . Me fez linda , me fez mulher . Seu toque deixou rastros de uma paixão avassaladora , de um desejo incontrolável dentro de mim . Como se cada toque , cada beijo fossem o primeiro . Sabe , não são muitas mulheres que sentem-se como eu nesse momento , também não sei se existe mulher mais feliz do que eu . E não há .

Senta lá meu amo , pega aquela coberta gelada para aquecermos á ela . Vamos fazer tudo como se fosse a primeira vez . Vou lhe preparar chocolate quente e você irá queixar-se com o excesso do açúcar , tomará uns goles e deixará a caneca de lado , dará uma risada me fazendo rir do meu exagero . Me sentirei uma boba exagerada em tudo que dou a ele , tanto no amor , nos tapinhas e nos apelidos toscos dados com carinho , no ciúmes , nas atitudes muitas vezes não pensadas , nas palavras mal ditas , no ódio mortal quando alguém aproxima-se dele , naquele medo idiota de perdê-lo . Exagerada no açúcar . Sim sou exagerada em muitas coisas , mas sabe que eu não consigo exagerar nos meus sentimentos por ele , sei lá nenhum deles é exagero . Exagero não é a palavra certa quando lhe digo que o amo com todas as minhas forças e nunca o deixarei cair . Isso é amor . Um amor que sempre tive medo de sentir quando não o conhecia , medo de exagerar . Quando o amei e disse que seria para sempre , não foi exagero , não foi mesmo .

Deixarei minha caneca de lado para lhe fazer sorrir . Mas sei lá , mesmo com a caneca em mãos ele sorria , deve rir da minha cara de boba apaixonada com a boca lambuzada de chocolate quente feito de açúcar . Ele sorri , e eu acho isso tão maravilhoso quanto sentir ele ao meu lado todo instante . Seu rosto seus olhos , tão meus . Ele é meu . Pega na minha mão , me abraça e me beije como na primeira vez . Vamos ser um só , assim , pra sempre ?

Vamos nos perder em baixo da coberta fria , levemente aquecida e a faremos pegar fogo ? E não , não é exagero . Ele consegue fazer tudo pegar fogo quando estamos juntos . E agora sem exageros , quer ser meu , assim pra sempre ?

sábado, 20 de agosto de 2011

Crime de coração

Rua perfeita para cometer um crime . Eu tinha tudo sob controle . Lugar , hora marcada e as próximas vítimas . Meus olhos corriam percorrendo todos os ângulos daquela avenida pouco movimentada . Corria sobre o pouco tempo que me restava e parecia passar mais rápido a cada batida acelerada do meu coração , procurando por um sinal de largada . Era só eu e eu agora . Ah , e uma arma na mão direita sofrendo xiliques como na primeira vez .
Como se fosse hoje eu ainda lembro dessa primeira vez . Eu era ingênua , carente e não tinha cabeça para carregar uma arma no bolso da calça Jean . Esse dia veio rapidamente á minha cabeça quando peguei nessa arma novamente , assim como lembrei da minha primeira vítima . Ele não sabia quem eu era , o que eu fazia . O que eu mais queria era que um dia ele intendesse o que eu era . Ele nunca intendeu . Agora tenho que ficar mais atenta , o próximo está por vir . Á meia noite em ponto ele estará cruzando aquela esquina com ar de suspeito . Tenho que pensar no agora , no daqui a pouco . Carregar a arma . Vestir as luvas e a venda . Ele estará por vir , meu Deus eu fico repetindo isso sem parar , devo colocar um fim agora . Ele estará por vir . E eu ainda não consegui tirar isso da minha cabeça . Ele estará por vir . E eu estarei aqui tremula no meio da rua parada ansiosa com a sua chegada . Ele nunca foi pontual , por que esperaria isso dele logo hoje . Eu realmente estava ficando perturbada com seus defeitos . Deveria pôr um fim nisso,logo.Agora. É agora .
Meia noite e dois da manhã de sexta-feira-treze e ele aproxima-se passando á esquina. É agora,vou colocar a venda.É agora é agora é agora é agora . Não sei porque diabos fiquei parada com aquele pedaço de pano em minha testa o vendo chegar mais perto de mim sem soar qualquer ar de dúvida e espanto . Ele estava ficando louco , perturbado . Meus olhos direcionaram-se automaticamente para sua mão direita suando frio , quase congelado com uma arma presa a ele . Seu braço esquerdo ergueu-se levemente junto a arma mirando meu peito . Ele era louco , tive a certeza agora . Mirei em seu coração . Estávamos os dois parados frente a frente como duas crianças loucas sem saber o que fazer com uma pistola de água entre os dedos , mas prontas para ferir a espera de um primeiro golpe . Ele não há de atirar . Eu sei que eu também não iria conseguir . Hoje não . Olhos penetrantes abaixou a cabeça lentamente , abaixou a arma e deixou escapar uma lágrima . Nenhuma das minhas vítimas reagiram assim . Ele foi o primeiro , e seria o ultimo ? Foi quando ajeitei a arma no bolso da minha calça e vi seu lábio superior tremulo como nunca vira antes . Ainda tremulo sussurrou ''Eu não sabia o que estava fazendo'' ajoelhou-se sobre o chão e completou ''Você não merece um cara como eu,este é o fim'' . Nunca me sentira tão destruída sem ter feito nada . Eu não podia fazer algo agora . Ele estava mais destruído do que eu .
Vendo ele atirado no chão como se fosse um nada , perdi minhas forças de mulher decidida , e tentei buscar forças para tirá-lo do chão sujo ''Eu sempre lhe amei com todos os seus defeitos.Nunca quis lhe ferir.Não desse jeito'' o que eu queria naquele momento era ir correndo e levantá-lo , lhe colocar junto a mim e lhe dizer que , eu fui fraca . Por todos os meus amores eu lutei e matei . Lutei até matar , lutei com todas as minhas forças . Matei a sangue frio . Arranquei do peito todos os sentimentos que ainda poderiam abrir uma ferida ainda maior . Deixei um buraco no coração de quem disse que me amou , como eu queria ter feito com ele agora . Sentir um pouco da saudade que eu senti , mas nunca quis feri-lo.Se quis , não quero mais. Eu lutei por ele , ainda estou lutando . Não chegou a hora de matar . Puxei-o do chão rapidamente e coloquei-o entre meus braços precisando dos dele . Voltei a prometer que nunca o mataria dentro de mim e nem tentaria o matar .
Nesses dois anos ele nunca havia me olhado tão intensamente como agora . Ou talvez eu nunca tenha os visto dessa maneira . Começara a chover e a cena de crime estava intacta como minutos antes da largada final . A prova do crime estava indo embora com a chuva agora , lavando as poucas lágrimas em nossas faces . Ele abraçou-me forte e sussurrou em meu ouvido ''Eu nunca fui o cara certo , mas por você eu mataria , e morreria , para não te ver chorando novamente''. Abaixei os olhos com uma piscada funda e demorada e calei-me . Ele sempre foi o cara certo . Me atiraria na frente da bala de uma pistola para salvá-lo , até pensaria em matá-lo para lhe ver sorrindo se fosse preciso . Eu tentei .

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Palhaçada

Um palhaço que está pouco se lixando para a plateia . Só quer dar boas gargalhadas e rir da cara de quem achar que ele tem que se pôr no seu lugar , pensar que não existe ' o seu lugar' - não da maneira que querem . Mostrar que todo lugar pode ser seu se você souber o jeito certo de lidar com o público , ter sempre sua opinião formada na frente de tudo e de todos . Não abaixar jamais a cabeça e não deixar cair nenhuma gota dos seus olhos , feitas de vaias e invejosos . Levantar a cabeça , e empinar o nariz se for preciso , ter orgulho de dizer que nada o derrubará . E afinal , os incomodados com tamanha audiência que enfiem a falsidade no seu orifício anal . E não , não é exagero . Sempre haverão aqueles desocupados tentando se passar por palhaço . Tomar sua graça . E aqueles que pagam pra ver o circo pegar fogo , pagando de primeira classe pra ver o primeiro golpe . Rindo de você , e não com você . Espécie rara é achar uma plateia que passe o tempo todo lhe assistindo , comendo sua pipoca , rindo de suas palhaçadas , lhe dando apoio toda vez que cair , e no final aplaudir de pé a sua vitória .

Olhos mentirosos

Chorou como se fosse acabar-se naquele chão . Desejou nunca ter o amado com tanta intensidade , sonhou ter o brilho de seus olhos de volta , tomando lugar da opacidade do presente que se tornara tão visível visto de longe . Ninguém nunca soube da causa da sua fuga , a resposta pra tanto desespero . Na verdade , não havia quem tivesse tamanho interesse , ela também nunca precisou de alguém para se preocupar . Amou e precisou tanto , que prometeu para si mesma nunca depender de ninguém para sorrir por coisas bobas , assim como jurou que amar nunca mais seria conjugado no passado . Precisou de compreensão,amor,atenção e alguém que estivesse no lado direito da cama lhe dando bom dia toda vez que ela acordasse pensando em desistir , precisou de palavras que a confortasse , mesmo que não fizessem sentido , precisou daquele eu te amo sincero que nem ao certo sabia se existia . Acostumou-se tanto com a mentira , que tudo que ela acreditava ter sido verdadeiro , ainda tem dúvida se o que foi , realmente existiu . Até hoje ela não sabe se aquele mentiroso fez parte de sua vida . Ou se fez parte de momentos em que tudo era uma mentira . Ela só queria enxergar através dos olhos mentirosos , e pedir que nunca se engane novamente . Queria nunca ter se perdido neles . Talvez que nunca quisesse ter os encontrado , para descobrir se um dia ela iria ser capaz de encontrar-se .

domingo, 7 de agosto de 2011

Ônibus

Costumava pegar aquele mesmo ônibus a quatro anos . Nunca fui muito de conhecer gente nova , só queria chegar o quanto antes no colégio . Talvez até fosse pela minha falta de comunicação que tudo custava mais para passar . Quando tudo lá fora passava desfocadamente pelos meus olhos , ficava pensando se a minha vida também não estava passando rápido demais , se era só aqui dentro que tudo passava tão devagar , se era apenas o meu mundo . Mesmo ônibus , mesmas pessoas , mesmos bancos ocupados com estilos de vida iguais . Era assim que eu me sentia , naquela mesmice de sempre . Uma mania que sempre tive era de ficar imaginando como é a vida de cada um , e se há alguém que pense como eu . As vezes me sentia como se fosse a esquisita , a ante social , aquela que não se mistura nem pra dar bom dia . Na verdade eu sou assim . Um pouco esquisita , um pouco estranha , um pouco fechada . Só falo com quem eu conheço , dou bom dia quando achar que é necessário , sorrio quando merecer .
Naquela mesma parada , esperando pelo ônibus de sempre . Abaixo os olhos levemente em sinal de olá , para meus companheiros de viagem que insistem em esperar um bom dia-boa tarde de mim . Mas depois de algum tempo eles se acostumam . Degrau por degrau , o ônibus me espera . As pessoas me esperam . Meu lugar está lá . Casas , árvores , carros , motos , pessoas e crianças esperando atravessar a faixa de segurança . Continuo lá , no meu banco esperando minha vez de desembarcar para a rotina . Meus pensamentos . Minhas idiotices de imaginar uma história pra cada coisa , uma para cada piscar de olhos ao meu redor . Chegou minha vez agora . Degrau por degrau . Mais um dia igual . Eu nem me importo mais com a monotonia dos dias que começam num ônibus e , terminam nele . Talvez porque eu saiba que , em algum dia desses , vou estar em outra parada , em outro ônibus , esperando por uma nova história e quem sabe , por novas pessoas .