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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Sensação sem título aparente



A sensação de alguém estar enfiando uma moeda lentamente no meu cérebro. Eu me sentei no sofá e levei a mão a testa,fechei os olhos com uma expressão de dor e cansaço.Então por alguns instantes não lembrava onde e nem o que fazia ali.Mas esse transtorno não durou muito . Foi só escutar vozes de pessoas a quinze andares abaixo de mim , que logo invadiram minha mente , tornaram-se gritos mais escandalosos que o normal ,como faziam antes de recostar-me aqui e tampar a cabeça ,como se a moeda estivesse perfurando a cada indagação que fizesse . É , agora eu lembro , esse foi o motivo . Pessoas , gritos , tumulto . Levantei-me devagar como uma senhora de setenta anos , mão na coluna como se fosse deslocar a qualquer momento , e com a mão na testa , não a tirava por nada , nem que caísse todos os ossos do meu corpo . Nunca me senti tão confusa e tão curiosa e tampouco irritada como naquele momento . Eu já estava na janela olhando lá de cima todo aquele vai e vem de carros e pessoas , e aliás , meus vizinhos . Perguntei-me por varias vezes se realmente eram meus vizinhos , mas esse nem era o alto da questão - por que estavam todos ali parados , olhando em direção a minha janela , ao meu apartamento ? - por que estavam todos franzindo suas testas como se tivessem com a mesma sensação que eu , só que olhando aos meus olhos e reparando na moeda na minha cabeça ?
E eu estava exausta , e continuei . Continuei também com todas aquelas perguntas , continuei com os olhos lacrimejando,continuei com o corpo fraco e a boca seca , coração tão lento como a de um cadáver . Vi por mim que não poderia ser normal . Aquelas pessoas lá em baixo sem parar um minuto para respirar também não era normal.O que está havendo afinal?!Por que todos me vêem mas ao mesmo tempo não.Por que tantos gritos , tanta bagunça,tanto...desespero. E eu mais desesperada do que qualquer um sem saber o que estava acontecendo de baixo do meu nariz,literalmente. Sim , eu estava desesperada . Mas de uma forma diferente , que nem eu mesma reconhecia essa .
Afastei-me devagarzinho da janela , pé ante pé saindo pela minha retaguarda , foi então que cai no chão enrolada no tapete que nem lembrara de tê-lo , meu celular começou a vibrar e eu tive que ponderar mentalmente se valia a pena me mover para atendê-lo.Mas eu precisava ter alguma noticia da movimentação,se poderia aquele alguém me ajudar.Abri os olhos devagarinho e vi o nome dele no visor, estiquei os dedos e atendi. Eu não precisei falar nada além de "Alô" para que eu notasse que havia algo errado. Ele não me ouvia , nem ao menos ruídos de uma ligação com pouco sinal , o vibrar de sua voz só pronunciava um "responda" vazio e inerte - apareça na janela , faça algum sinal de que está tudo bem , não deixe todos nessa pilha de nervos , por favor , já estão indo te tirar daí !- e era isso que mais me preocupava . O que eu poderia fazer além de tudo que já fiz , ele não me ouvia , pelo jeito ninguém me viu na janela , estou ficando louca ? Ele está louco ? Porque querem me tirar daqui ?
Levantei-me e novamente apareci na janela , acenei , tentei chamar atenção , os olhares voltados para mim , mas inutilmente atentos para meu aparecimento .
Liguei para ele e falei da brincadeira sem graça que estavam fazendo , pedi para que ele passasse o recado para todos que me aguardavam lá em baixo , por um motivo que eu desconheço até então , mas que parassem já ! Foi então que ele somente respondeu com um "Alô ? fale alguma coisa , você está bem ?" Ele estava chorando e todos os ruídos a sua volta pareciam estar também . Ele não me escutava de jeito algum . Liguei a tevê do meu celular sem saber o que fazer . Meus olhos ficaram fixos e ouvidos completamente voltados para a notícia : "Edifício é interditado por perigo de desmoronamento e investigações , cinco pessoas parecem ainda estar presas , mas somente uma no décimo quinto andar com mais difícil acesso" . Era o meu prédio , o meu bairro , as mesmas pessoas que me olhavam pela janela , o meu namorado . A pessoa de quem falam pela tevê , sou eu . Mas não tem nada de errado aqui , meu apartamento está intacto , exatamente igual como deixei antes de .... acordar com aquela dor insuportável como a de uma moeda agora corroendo meu cérebro . Será que a dor era tão forte capaz nem de ao menos perceber que tudo a minha volta estava caindo , terminando , quase chegando ao fim , enquanto eu somente mantinha minha mão sobre a testa rente ao lugar que supostamente faria o buraco para a chegada , ou o termino , como queiram interpretar , pra mim tanto faz , aquilo parecia que acabaria quando passasse por ali , saísse de mim aquele desconforto , aqueles gritos .
Abri a porta , olhei em volta e havia somente destroços , paredes quebradas , rachadas - foi tudo muito rápido , quando dei por mim , já havia percebido tudo que estava acontecendo , com meus próprios olhos - e um cão preto sufocando-se em baixo daqueles , eu queria correr até ele e o fazer ficar perto de mim .E eu corria e sem sequer movia-me um passo a frente e ao msmo tempo ,algo que me puxava pra dentro do apartamento toda vez que dava mais um passo de esperança.Que aos poucos foi ficando mais inerte do que o meu corpo físico .Aquela força parecia maior que eu , maior que as rachaduras . Me vi rezando sem crença para que a dor sumisse ; não sumiu . Para que eu pudesse trazer aquele cão junto a mim ; não consegui . E a dor só ficava mais forte e involuntariamente me vi com aqueles olhos arredondados e pretos , pêlo ofuscado pelas chamas ,entre os meus braços.Foi o momento que a esperança voltou e tive mais vontade de sair dali,de ver aqueles vizinhos chatos,mas preocupados comigo.Eu estava com saudade do meu namorado,do meu apartamento bagunçado.Mas agora eu só queria pôr em ordem tudo isso. Foi quando o chão começou a desabar , e não havia mais nada entre meus braços .Eu o perdi ,a esperança me abandonou. Não havia mais gato , não havia mais paredes , nem gritos . Sabe quando dizem que quando se está a segundos de milésimos da morte , você vê a vida passar em um flash e tem saudade de tudo aquilo que não viveu ? Essa era eu . Virei saudade .
Em meio a tantos momentos que passaram-se na minha mente , um deles abriu o buraco por onde a bala estava perfurando desde cedo.E eu estava outra vez em meio a minha sala , em meu sofá , atirada em minhas almofadas , celular ainda em baixo delas como eu o tinha deixado . As luzes do apartamento, os sons da rua , tudo doía . E rodava , e enjoava . Agora eu havia acordado com aquela mesma dor atravessando meu cérebro , só que diminuía e ia deixando-o lentamente , numa dorzinha boba que ia e vinha , que deixava minha cabeça aos poucos , e deixou definitivamente . E eu me deixei ali , naquele momento , tentando salvar o cão feito de esperanças  . E eu o salvei .

E é só isso que eu consigo me lembrar.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Longe do faz de conta

Não quero mais casar com aquele menino - do carrinho de fricção vermelho , que minha mãe tanto sonhava . Decidi crescer e deixar a boneca com lacinhos para trás , junto com o carrinho . E menino , você também . Não quero mais . Na verdade , nunca quis .
Eu era criança , e não sabia que as coisas iriam ficar mais complexas com o passar dos anos . Pensava que casar era brincar de casinha , deixar de ser mãe solteira e passar a ter um garoto dentro de casa pra lá e para cá , com o carrinho que não soltava por nada , nem que eu o empurrasse contra a parede suplicando que corresse atrás das crianças , enquanto fazia seu almoço para levar pro trabalho . Seu único gesto era : Quê crianças ? E eu nada escutava . E ele dizia que saia para trabalhar , enquanto eu fazia de conta de que ele não estaria na casa de sua mãe lhe pedindo colo e batendo o pé por aquele carrinho novo que tanto queria . Ele saía e não voltava mais , se escondia , corria com seus amiguinhos e me chamava de louca . Eu louca ? Só um pouquinho , por uma família minha , filhos meus , casa para eu cuidar , e principalmente um marido que não inventasse qualquer desculpa para não ficar pro café da manhã .
Eu queria casar , o mais rápido possível . Estava preparadíssima para cuidar de mim sem a mãe por perto , afinal , eu era a única que adorava fazer de conta que era adulta , de que era uma mulher feita , cheia de filhos puxando a barra da minha saia enquanto fazia o almoço , e achava que tinha muitos compromissos . Logo mais daria uma ajeitadinha na casa á espera de um marido que nunca chegara .
Talvez eu tenha esperado tanto por tudo isso que a um tempo atrás eu já não queria cuidar nem de mim . Foi nessa parte da historinha que deixou de ser um conto infantil pra tornar-se um romance adulto , com casa , filhos , emprego , responsabilidades e aquele tal de príncipe encantado que mesmo eu o chamando assim , como nas historias de contos de fada , não deixa de ser . É o meu príncipe , aquele que eu tenho absoluta certeza de que nunca fugirá como os outros . Esse não brinca de carrinho . Ele veio de cavalo branco e me resgatou de todas as histórias de terror , beijou minha mão olhando nos meus olhos e então disse : nós vamos ser felizes para sempre . Afinal , já passamos da fase de brincar de faz de conta . Há muito tempo .