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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

De princesas e demonios

Nunca acreditei em fadas do dente e quis viver no mundo do Peter Pan , nem saber se realmente existia a Sininho ou os meninos perdidos . Isso não era coisa de se acreditar , só meninas tolas abriam o guarda-roupas para ver se nenhum monstro escondia-se lá , só esperando a hora de dormir para atacar e arrancar seus olhos e sua infância . Mamãe sempre disse que as meninas más tinham suas cabeças decapitadas pelas garras daqueles furiosos monstros que todas desconheciam por medo de realmente ser verdade . Eu não queria ser a primeira a descobrir .

Minha mãe nunca acompanhou-me até o quarto para contar historias de Cinderela até eu pegar no sono . Subia as escadas em direção ao quarto , era somente eu e aqueles ruídos na madeira velha de cada degrau que insistia em acompanhar-me . Eu já havia me acostumado , até chegar ao alcance da fresta do quarto onde a luz do abajur clareava minha visão até lá . Girando a maçaneta devagar temendo ver algo que não queria , fechava os olhos e corria até a cama , abrindo-os só depois de ter as cobertas sobre eles.E eu não tinha medo. Mas sabia que mamãe estava certa quanto ao monstro . Eu o sentia lá durante todo caminho até a cama . Era fácil saber quando e em que canto do quarto ele estava . O espaço diminuía gradativamente . Eu e eu não sabia exatamente o que era . Mas sabia-se que era grande e maior que eu , com certeza . Já era considerado um monstro por ter um tamanho tão mutável .

Perdia-me em meio a capa protetora de bichos, demônios, dementadores e espíritos malignos e agora o monstro do guarda-roupa fazia parte desse grupo . Estava pensando em pegar mais algumas capas dessa para a noite de amanhã . E eu não sabia ao certo como eram esses monstros de que todos falam e ninguém vê . Como proteger-me agora ? Mas peraí , porque estou querendo esconder-me de uma coisa que nem vi . Não importa . Vou permanecer aqui , quietinha , pra nenhum desses seres me notarem . Mas talvez já tenha passado da meia-noite e eles queiram me assustar. Fingir que estou dormindo adiantaria alguma coisa ? Claro que não , sua tola . O monstro está saindo da caixa e você aí querendo fingir-se de morta . Caixa ? Foi isso mesmo ? Descubri meu olho direito e levei-o até o canto do quarto onde estava uma caixa que nunca tinha visto antes . Garanto que o notaria se estivesse lá há mais tempo . Mas lembrara que mamãe havia guardado àquela tarde , todos os meus brinquedos ali - já não brincava desde os meus seis anos,não fazia sentido deixá-los na estante alimentando-os de poeira e rejeição , mas foi naquela noite que os notei ali , encaixotados e, agitados .

De repente você descobre que os piores monstros eram aqueles que estavam a muito tempo escondidos e invisíveis , e que não eram nada parecidos com a imagem assustadora que tínhamos em mente . O que vi sair daquela caixa , tinha certeza de que não poderia existir , não era possível . Mas também não era o que eu acreditava que seria . Os monstros muitas vezes podem enganar-nos com suas mascaras , assim como as fadas com suas varinhas de condão . Olhos doces e dissimulados,ninguém nunca imaginaria que fariam parte de uma trama de suspense. Enganaram a mamãe , e o monstro a mim .




Olhos de criança

Ele era imaturo com rosto de criança doce e ingênua , e eu , a criança mais boba do mundo . É claro que eu sinto sua falta as vezes , qual a criança mimada por ele que não sentiria . E um dois dias em que mais lembro da sua existência é quando passo pela avenida 47 , e lhe vejo no reflexo das poças que ficaram naquele túnel após a tempestade do dia anterior. Ainda sou uma criança . E uma parte dela que vive aqui dentro , continua brincando de balanço no fim da tarde.E quando me ponho a frente a cada poça chuto a agua como quem estivesse brincando , e ao mesmo tempo não quisesse mais brincar porque enjoou . Sempre deixei de lado aquilo que me faz mal , aquele que me põe de lado no jogo e que sempre me deixa como ultima opção . Por que agora seria diferente ? Ele foi apenas uma criança como tantas outras . E eu ? Acho que nunca fui tão criança assim . Pelo menos não como ele , longe de mim . Pode-se dizer que fui a boba , a mesma que agora chuta a poça tentando acertar sua cara e lhe apagar de lá .Chegar ao outro lado da avenida , onde ainda haja o balanço pendurado na árvore mais antiga do jardim, intacto ,só esperando por mim . Sorrir como uma criança inocente ao reconhecer outro bobo lá de longe aproximar-se e lhe mostrar como realmente se brinca , de mamãe e papai.